Old is Gold - Samia Gamal

15/07/2023

Samia Gamal foi uma das mais importantes figuras do cenário artístico egípcio na "Golden Era". Alguns a chamavam de farasha (borboleta), devido ao seu estilo leve e elegante que a diferenciou das outras bailarinas de sua época. Seu talento único a tornou a bailarina oficial do Egito por muitos anos. Mas, o que pouca gente sabe é que sua vida não foi sempre um conto de fadas, pelo contrário, se parecia muito à historia de Cinderela...

Samia era um símbolo de elegância
Samia era um símbolo de elegância

Samia Gamal nasceu em 1924, na cidade de Wana Al Qiss, em Beni Suef, Egito, sob o nome de Zeinab Khalil Ibrahim Mahfouz, seu pai era alfaiate e sua mãe descendente de marroquinos. Quando tinha apenas 8 anos, sua mãe faleceu e seu pai se casou novamente. Sua madrasta era muito cruel e a tratava como uma empregada da casa. Aos 13 anos, Samia perdeu seu pai também e os maus tratos por parte da sua madrasta só pioraram. Decide ir morar no Cairo com sua irmã mais velha e seu cunhado. Ambos tinham uma situação financeira difícil, assim que Samia aprendeu a costurar para poder ajudar na renda familiar. Também cuidava da casa da irmã e do sobrinho. O quarto de Samia tinha vista para um café da vizinhança onde o rádio estava sempre ligado. Foi dali que ouviu, pela primeira vez, a voz de um promissor cantor, Farid Al Atrash. Aos 14 anos consegue um emprego numa fábrica de  tecidos e depois trabalha como enfermeira em um hospital. Uma das suas vizinhas adorava ir ao cinema e um belo dia decide levar Samia para lhe fazer companhia. O filme era Malikat Al Massarah (Rainha dos Teatros) que apresentava Badia Massabni. Ali começou o fascínio de Samia pela dança. Ela sonhava em ser uma bailarina do Cassino de Badia e estar entre as famosas. Quando tinha 15 anos, chegou tarde em casa, após ter ido ao cinema e seu cunhado a agrediu violentamente. Samia fugiu de casa. Estava sentada no Café El Gamal, quando o filho do dono, Mostafa Gamal, a ouviu dizer o quanto ela adoraria conhecer Badia e tornar-se uma das suas bailarinas. Mostafa a levou para conhecer o cassino. 

Badia era a rainha do Teatro e da dança oriental nessa época. Seu Cassino era frequentado pela elite política e cultural egípcia e estrangeira. Seus shows tinham alta qualidade musical e artística. Badia gostou da sua beleza e elegância e lhe deu o nome artístico de Samia. Por gratidão a Mostafa, Samia adotou o sobrenome Gamal. Badia concordou em lhe dar aulas de dança e preparação de palco. Na sua estréia como solista, Samia estava muito nervosa e ficou congelada em cena. Não dançou bem e foi vaiada pelo público. Badia decidiu colocá-la de volta no Balé de fundo. Naquele momento, Samia tomou a forte decisão de se tornar uma grande bailarina! Badia havia contratado um coreógrafo libanês muito famoso e competente, Isaac Dickson, para coreografar seu shows e preparar suas bailarinas. Ele ensinava vários tipos de dança e preparava tableaux de fantasia. Era conhecido no meio artístico e trabalhou na preparação de atrizes para o cinema, como por exemplo, a atriz mirim Fayrouz, que no filme Dahab (Ouro) dançou com perfeição ao estilo de Badia, Tahia Carioca e Samia Gamal. Ele também fez pequenas participações como ator em filmes. Foi um notário no filme Fatma de 1947, estrelado por ninguém menos que Om Kulthum. No filme Mostafa kamel de 1952, atuou como um doutor. Dickson cobrava muito caro por suas aulas, mas Samia conseguiu pagar-lhe em parcelas. Ele a coreografou para dois números de dança. Um com a música espanhola Dança Ritual do Fogo de Manuel de Falla e outro com a música Hungarian Rhapisody de Franz Liszt. Samia também frequentou uma escola de dança onde aprendeu samba, rumba, tango e rock and roll. Fez aulas de balé clássico com a russa Sônia Ivanova. Samia estava em busca da roupa de dança perfeita para atrair a atenção de Badia e poder voltar a ser solista outra vez. Taheya Carioca lhe deu um lindo traje vermelho e ela recuperou o seu posto de solista. Ficou conhecida por dançar com pandeiro na mão cercada por chamas. Além disso, Badia dobrou o seu salário. Depois foi dançar em um cassino em Suez e, ao voltar para o Cairo, dançou no The kit kat Club e no El Dollez Club. Foi neste último que ela recebeu o apelido de "a bailarina descalça" após tirar o sapato com salto quebrado para poder continuar a dançar. Foi no cassino de Badia que ela se encontrou com Farid El Atrash e quase desmaiou de emoção, já que era sua fã. 

No cinema, trabalhou como figurante em alguns filmes, como Al 3azima (A determinação) em 1939, Entessar Al Shabbab (Triunfo da Juventude) em 1942 com Farid El Atrash, dentre outros. Teve uma pequena participação ao lado de Mohamed Abdel Wahab, no filme Mamnoa3 El Hob (Amor Proibido). Aliás, Abdel Wahab compôs a música Ya Msafer Wahdak (Viajante solitário) para este filme. Em 1946, Samia estava pronta para interpretar uma protagonista, o que conseguiu por meio do grande ator cômico Naguib Al Rihani, no filme Ahmar Shafeif (Batom Vermelho). Mais tarde, em 1947, Farid a escolheu  para estrelar um filme que estava produzindo, Habib Al Omr (Amor de uma vida inteira). Formaram uma dupla amorosa de sucesso, o que os levou a gravar vários filmes juntos: como Afrita Hanem (Little Lady Devil) com o divertido ator Ismail Yassin, Akher Kidba (A Última Mentira) e muitos outros. Com a morte de Asmahan, irmã de Farid, em um acidente de carro, a relação entre Samia e Farid se tornou muito forte. Ela o apoiou muito nesse momento difícil e muitos diziam que os dois haviam se casado às escondidas. Mas Farid era de uma família aristocrata da Síria e seu casamento com uma bailarina jamais seria aceito. Eles sempre juraram que eram bons amigos apenas e Farid chegou a dizer que a única pessoa com quem se casaria seria a cantora e atriz Shadia. Mas ele nunca se casou com ninguém.

O rei do Egito, King Faruq, também apreciava muito a dança de Samia e ela era sempre convidada a dançar em eventos oficiais do governo. Se apresentava para autoridades estrangeiras importantes, como Harry Kissinger, por exemplo. Diziam que o rei era apaixonado por Samia mas ele se casou com a rainha Nariman e os boatos desapareceram. Depois de algum tempo, Samia encontrou-se com o milionário americano Shepard King em Paris, que a pediu em casamento. Ela demorou um pouco para aceitar, depois, se casaram. Ele se converteu ao Islã e mudou o seu nome para Abdullah King. Se mudaram para os Estados Unidos e durante esse período ela dançou em 16 estados americanos, ganhando muito dinheiro com os shows. Seu marido de tinha o controle do dinheiro e quando se divorciaram Samia voltou para o Egito sem nada. Samia teve algum alguns casos passageiros, como o que teve com o cantor italiano Franco Frank e também com o grande compositor Baligh Hamdi, de que criou músicas para grandes estrelas como Umm Kulthoum, Abdel Halim Hafez e Warda, com quem foi casado por muitos anos. Sua amiga, Leila Fawzy, a apoiou para voltar às telas do cinema novamente. Samia participou de produções internacionais como no filme francês Alibaba e os 40 ladrões, junto ao comediante Fernandel e fez uma pequena participação no filme americano The King of the Valley. 

Começou uma história de amor com o ator Rushdi Abbaza durante as gravações do filme Il Ragl Teni (O Segundo Homem). Nesse momento, Rushdi era casado com a americana Bárbara, mãe de sua filha Qisma. Por problemas no relacionamento se divorciaram, então Samia e Rushdi se casaram. Qisma adorava Samia, que cuidou dela com muito carinho. Por ironia do destino, na trama do filme, Sabah, a cantora e atriz libanesa, atuava como amante de Rushdi e Samia era a esposa traída. E isso aconteceu acabou acontecendo de fato na vida real. Durante uma crise do casal, Rushdi deixou Samia no Egito e foi para o Líbano para se casar com Sabah. Samia manteve silêncio e nunca comentou nada sobre esse casamento. A relação entre Rushdi e Sabah não durou muito tempo e ele se separaram. Quando retornou ao Egito, Samia espera por Rushdi no aeroporto e o perdoa. Eles ficaram juntos por 18 anos, de 1958 até 1977. Samia se afasta da vida artística e se dedica exclusivamente ao cuidado de Rushdi e sua filha. Ele era um Don Juan e alcoólatra, assim que Samia chegou em seu limite e ele se divorciaram. Depois disso ela não se casou oficialmente com mais nenhum pretendente e continuou com sua vida junto a sua irmã e seus cinco sobrinhos.

Na década de 80, o cantor e ator Samir Sabry, sabendo das dificuldades financeiras de Samia, a convidou para dançar em seu show. Ela tinha na época 60 anos e, a princípio, hesitou em aceitar o convite. Samir conseguiu convencê-la e mais de mil pessoas vinham ao hotel Hyatt Al Salam todas as segundas-feiras para estar perto da magia de Samia. O show se tornou um sucesso de público tanto no Cairo como quando foram em turnê Internacional pela Europa e Estados Unidos, a convite do ministro da cultura do Egito. Samia rapidamente se recuperou financeiramente e se retirou dos palcos. Fez a peregrinação a Arábia Saudita (Raj), quando voltou comprou um jazigo para si mesma e pediu que quando morresse a enterrassem sem alarme. Samia cuidava muito de sua figura e tinha uma dieta muito restrita, à base de salada e iogurte. Teve uma anemia gravíssima, perdeu a consciência e foi internada para fazer uma transfusão de sangue. Quando saiu do hospital, não seguiu a recomendação médica de se alimentar melhor. Ficou com problemas no estômago e dessa vez não conseguiu se recuperar, vindo a falecer no dia primeiro de dezembro de 1994, com 70 anos. Samia sempre será uma referência para todas que apreciam a classe e elegância na dança oriental. 

Claudia Cenci